Pensamento da semana

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Seal - Crazy
.

domingo, 1 de maio de 2011

Operário em construção


Hoje é dia do trabalho e não poderia faltar um post sobre isso aqui no blog. Afinal, são os trabalhadores que fazem a nação funcionar. Eu poderia falar muito sobre isso. Mas Vinícius de Morais fez melhor. Ele escreveu o poema abaixo em 1956, mas continua atual até hoje. Só sendo mesmo Vinícius.
Leia, sinta e reflita.

Operário em construção
Vinícius de Morais

Era ele que erguia as casas
Onde antes só havia chão
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo,
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião.
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo sua liberdade
Era sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão ele comia...
Mas fosse comer um tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa ali
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
‑ garfo, prato, facão –
Era ele quem os fazia,
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão,
Vidro, parede, janela,
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele que os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah! Homens de pensamento
Não sabeis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um novo mundo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo de impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua compreensão,
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração.
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão.
Pois, além do que sabia
– exercer a profissão –
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia “SIM”
Começou a dizer “NÃO”
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: “NÃO!”
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
– “Convençam-no do contrario” –
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.
Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se de súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado,
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: “NÃO!”

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão.
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que foi levado
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
– “Dar-te-ei todo esse poder
E sua satisfação
Porque a mim foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher...
Portanto tudo que vês
Será teu se me adorares.
E ainda mais se abandonares
O que te faz dizer NÃO”

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia.
Mas o que viu o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão.
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: “NÃO!”
– “Loucura!” – gritou o patrão.
“Não vês o que te dou eu?”
– “Mentira!” – disse o operário.
“Não podes dar-me o que é meu.”

E um grande silencio fez-se
Dentro do seu coração.
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Como o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem pelo chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos.
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu em seu coração.
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a Razão
De um homem pobre e esquecido.
Razão, porém, que fizera
Em operário construído
O operário em construção.

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