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domingo, 23 de dezembro de 2012

Resenha: O andar do bêbado



Se você é daqueles que lêem o meu blog regularmente, então dever saber que algumas semanas atrás eu postei algo onde eu casualmente comentava que tinha comprado 4 livros na Bienal Internacional do Livro. Deve lembrar também que prometi escrever uma resenha para cada um deles. Pois bem, terminei de ler o primeiro hoje à tarde. Parece muito tempo para ler um simples livro, mas o fato é que minha vida acadêmica anda atrapalhando um pouco meus momentos de ócio (ou talvez eu não esteja sabendo administrar bem meu tempo livre).

Pois bem, o primeiro dos quatro livros que eu li foi ‘O andar do Bêbado – Como o acaso determina nossas vidas’ de Leonard Mlodinow. Devo dizer que gostei muito do livro e que considero ele leitura obrigatória para qualquer pessoa minimamente inteligente e minimamente apaixonada por ciência. Devo frisar, também, que minha opinião é totalmente irrelevante.

Como nossa vida pode ser tão caótica como o andar de um bêbado.


Bem, ‘O andar do bêbado’ é um best-seller mundial da divulgação científica e, ao contrário do meu amigo deste post, eu não tenho preconceitos para com best-sellers. Aliás, preconceito com relação a pessoas ou coisas bem (ou mal) sucedidas é um conceito que você certamente vai reconsiderar depois que ler esse livro. Ou não, isso vai depender de muitas coisas. Talvez do acaso.
Mas afinal, do que trata o livro? Acho que a pessoa que melhor expressou isso foi Stephen Hawking: “um guia maravilhoso e acessível sobre como o aleatório afeta nossas vidas”. Eu assino embaixo. Em sua essência, o livro mostra de forma bem clara e dinâmica como aspectos importantes das nossas vidas são influenciados por fatores totalmente aleatórios e, em geral, alheios a nossa percepção. Isso pode parecer um pouco estranho e assustador, mas isso porque, como o autor mostra logo no começo do livro, nossas mentes não estão preparadas para lidar com fatores aleatórios, com cálculos de probabilidades, tampouco com análise sensorial de vinhos.

Isso porque nossas mentes funcionam a base de padrões. Nós queremos enxergar padrões em tudo e não nos damos conta que muitas vezes resultados ou eventos que aparentemente seguem um padrão, por menor que seja, na verdade são frutos de processos totalmente aleatórios, frutos do simples acaso. Mais que isso, grande parte de nossas decisões são tomadas baseadas em supostos padrões de regularidade. Às vezes dá certo, outras vezes não. Ou às vezes acontecimentos significativos nas nossas vidas são meros frutos de um feliz acaso.
Quer um exemplo? Veja só o primeiro parágrafo do livro:
“Alguns anos atrás, um homem ganhou na loteria nacional com um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso pelo seu ‘feito’, ele revelou a teoria que o levou a fortuna. ‘Sonhei com o número 7 por 7 noite consecutivas’, disse, ‘e 7 vezes 7 é 48’. ”
Você deve concordar que não existe nada de místico nisso. O fato desse cara ter ganho na loteria foi o resultado de uma sucessão de acontecimentos. Agora, o que você talvez não concorde é que tais acontecimentos são apenas acaso. Acredite ou não, todos nós fazemos algo parecido com o que esse cara fez, todos os dias, em várias instâncias da nossa vida. É como Mlodinow disse logo em seguida no livro:
“... todos nós criamos um olhar próprio sobre o mundo e o empregamos para filtrar e processar nossas percepções, extraindo significado do oceano de dados que nos inunda diariamente. E cometemos erros que, ainda que menos óbvios, são tão significativos quanto esse”.

Partindo dessa idéia, Mlodinow construí um texto leve, dinâmico e revelador sobre o aleatório, o acaso, probabilidades e estatística e como tudo isso está ligado as nossas vidas de uma maneira que você provavelmente nem imaginaria antes de ler o livro. E o melhor, ele faz isso de uma maneira que qualquer leigo no assunto possa entender. Posso arriscar que o cara tem um dom para escrever bem. Ao talvez isso seja apenas uma simples conseqüência de vários fatores aleatórios.
O legal é que nos primeiros capítulos o autor nos brinda com um curso rápido e elegante de probabilidade e estatística, com leves pitadas de história da ciência, passando por nomes famosos com Pascal, Bernoulli, Gauss, Laplace e muitos outros. E ele o faz de uma maneira que eu gostaria que meu professor da cadeira de Estatística & Probabilidade tivesse feito quando cursei a cadeira. Devo dizer que se fosse isso que tivesse acontecido, eu teria prestado mais atenção às aulas e, talvez, tivesse passado com uma nota maior.
O fato é que ao longo do texto eu fui lendo termos conhecidos por profissionais desta área a áreas afins, tais como média, probabilidade, desvio padrão, curva normal, etc. Ele não define todos esses termos de maneira precisamente matemática, mas nem é necessário. Apenas com palavras e exemplos o cara passa a idéia principal da coisa e no fim eu tive a impressão que aprendi mais nesses capítulos iniciais que em toda a minha cadeira de Estatística & Probabilidade que fiz no 4º semestre.

Quando mais você lê, mais vai crescendo a sensação que fenômenos aleatórios têm importância fundamental em vários aspectos práticos e que, em geral, tal importância é subestimada. De resultados em loterias, à final do campeonato nacional de beisebol, passando por classificação de vinhos e vodcas e o mercado financeiro, lá está o aleatório interferindo em nossas vidas – de uma maneira que nem percebemos. Ou melhor, não queremos perceber. O pior julgamos pessoas pelo seu sucesso ou fracasso, mas não paramos para refletir que tal sucesso ou fracasso é mais uma conseqüência de diversos fatores aleatórios que competência ou incompetência da pessoa.

Em resumo, um livro excelente. Leitura obrigatória para todo amante da ciência. Não me arrisco a dar uma nota, porque toda classificação mensurável por nota é passível de erros gerados pura e simplesmente pelo acaso. Os enólogos que o diga. Em vez disso, deixo com você alguns trechos selecionados.
“... boa parte da ordem que observamos na natureza esconde uma desordem subjacente invisível, e assim, só pode ser compreendida por meio de regras da aleatoriedade” [pag. 217]
“Quando estamos diante de uma ilusão – ou em qualquer momento que tenhamos uma nova idéia – em vez de provar que nossas idéias estão erradas, geralmente tentamos provar que estão corretas. (...) além de buscarmos preferencialmente as evidências que confirmam nossas noções preconcebidas, também interpretamos indícios ambíguos de modo a favorecer nossas idéias” [pag. 245]
“Costumamos ter um respeito automático por superstars dos negócios, da política, do cinema e por qualquer outra pessoa que viaje num jatinho particular, como se suas realizações refletissem qualidades únicas não compartilhadas pelos que são forçados a comer as refeições servidas pelas companhias aéreas” [pag 257]

[Caso você esteja curioso, só aparecem trechos do final do livro não porque eu gostei mais do final e sim porque eu só tive a idéia de grifar trechos quando já estava terminando de lê-lo. Só para constar, achei o começo mais interessante]



Bem, por hoje é só e que o acaso lhe conduza a momentos felizes na sua vida. Até a próxima, se o acaso permitir.

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