Se você é daqueles que lêem o meu blog regularmente, então
dever saber que algumas semanas atrás eu postei algo onde eu casualmente
comentava que tinha comprado 4 livros na Bienal Internacional do Livro. Deve
lembrar também que prometi escrever uma resenha para cada um deles. Pois bem,
terminei de ler o primeiro hoje à tarde. Parece muito tempo para ler um simples
livro, mas o fato é que minha vida acadêmica anda atrapalhando um pouco meus
momentos de ócio (ou talvez eu não esteja sabendo administrar bem meu tempo
livre).
Pois bem, o primeiro dos quatro livros que eu li foi ‘O
andar do Bêbado – Como o acaso determina nossas vidas’ de Leonard Mlodinow. Devo
dizer que gostei muito do livro e que considero ele leitura obrigatória para
qualquer pessoa minimamente inteligente e minimamente apaixonada por ciência.
Devo frisar, também, que minha opinião é totalmente irrelevante.
Como nossa vida pode ser tão caótica como o andar de um bêbado. |
Bem, ‘O andar do bêbado’ é um best-seller mundial da
divulgação científica e, ao contrário do meu amigo deste post, eu não tenho
preconceitos para com best-sellers. Aliás, preconceito com relação a pessoas ou
coisas bem (ou mal) sucedidas é um conceito que você certamente vai
reconsiderar depois que ler esse livro. Ou não, isso vai depender de muitas coisas.
Talvez do acaso.
Mas afinal, do que trata o livro? Acho que a pessoa que
melhor expressou isso foi Stephen Hawking: “um guia maravilhoso e acessível
sobre como o aleatório afeta nossas vidas”. Eu assino embaixo. Em sua essência,
o livro mostra de forma bem clara e dinâmica como aspectos importantes das
nossas vidas são influenciados por fatores totalmente aleatórios e, em geral,
alheios a nossa percepção. Isso pode parecer um pouco estranho e assustador,
mas isso porque, como o autor mostra logo no começo do livro, nossas mentes não
estão preparadas para lidar com fatores aleatórios, com cálculos de probabilidades,
tampouco com análise sensorial de vinhos.
Isso porque nossas mentes funcionam a base de padrões. Nós
queremos enxergar padrões em tudo e não nos damos conta que muitas vezes
resultados ou eventos que aparentemente seguem um padrão, por menor que seja,
na verdade são frutos de processos totalmente aleatórios, frutos do simples
acaso. Mais que isso, grande parte de nossas decisões são tomadas baseadas em
supostos padrões de regularidade. Às vezes dá certo, outras vezes não. Ou às
vezes acontecimentos significativos nas nossas vidas são meros frutos de um
feliz acaso.
Quer um exemplo? Veja só o primeiro parágrafo do livro:
“Alguns anos atrás, um homem ganhou na loteria nacional com
um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso pelo seu ‘feito’, ele
revelou a teoria que o levou a fortuna. ‘Sonhei com o número 7 por 7 noite
consecutivas’, disse, ‘e 7 vezes 7 é 48’. ”
Você deve concordar que não existe nada de místico nisso. O
fato desse cara ter ganho na loteria foi o resultado de uma sucessão de
acontecimentos. Agora, o que você talvez não concorde é que tais acontecimentos
são apenas acaso. Acredite ou não, todos nós fazemos algo parecido com o que
esse cara fez, todos os dias, em várias instâncias da nossa vida. É como Mlodinow
disse logo em seguida no livro:
“... todos nós criamos um olhar próprio sobre o mundo e o
empregamos para filtrar e processar nossas percepções, extraindo significado do
oceano de dados que nos inunda diariamente. E cometemos erros que, ainda que
menos óbvios, são tão significativos quanto esse”.
Partindo dessa idéia, Mlodinow construí um texto leve,
dinâmico e revelador sobre o aleatório, o acaso, probabilidades e estatística e
como tudo isso está ligado as nossas vidas de uma maneira que você
provavelmente nem imaginaria antes de ler o livro. E o melhor, ele faz isso de
uma maneira que qualquer leigo no assunto possa entender. Posso arriscar que o
cara tem um dom para escrever bem. Ao talvez isso seja apenas uma simples conseqüência
de vários fatores aleatórios.
O legal é que nos primeiros capítulos o autor nos brinda com
um curso rápido e elegante de probabilidade e estatística, com leves pitadas de
história da ciência, passando por nomes famosos com Pascal, Bernoulli, Gauss,
Laplace e muitos outros. E ele o faz de uma maneira que eu gostaria que meu
professor da cadeira de Estatística & Probabilidade tivesse feito quando
cursei a cadeira. Devo dizer que se fosse isso que tivesse acontecido, eu teria
prestado mais atenção às aulas e, talvez, tivesse passado com uma nota maior.
O fato é que ao longo do texto eu fui lendo termos
conhecidos por profissionais desta área a áreas afins, tais como média,
probabilidade, desvio padrão, curva normal, etc. Ele não define todos esses
termos de maneira precisamente matemática, mas nem é necessário. Apenas com
palavras e exemplos o cara passa a idéia principal da coisa e no fim eu tive a
impressão que aprendi mais nesses capítulos iniciais que em toda a minha
cadeira de Estatística & Probabilidade que fiz no 4º semestre.
Quando mais você lê, mais vai crescendo a sensação que
fenômenos aleatórios têm importância fundamental em vários aspectos práticos e
que, em geral, tal importância é subestimada. De resultados em loterias, à
final do campeonato nacional de beisebol, passando por classificação de vinhos
e vodcas e o mercado financeiro, lá está o aleatório interferindo em nossas
vidas – de uma maneira que nem percebemos. Ou melhor, não queremos perceber. O
pior julgamos pessoas pelo seu sucesso ou fracasso, mas não paramos para
refletir que tal sucesso ou fracasso é mais uma conseqüência de diversos
fatores aleatórios que competência ou incompetência da pessoa.
Em resumo, um livro excelente. Leitura obrigatória para todo
amante da ciência. Não me arrisco a dar uma nota, porque toda classificação
mensurável por nota é passível de erros gerados pura e simplesmente pelo acaso.
Os enólogos que o diga. Em vez disso, deixo com você alguns trechos
selecionados.
“... boa parte da ordem que observamos na natureza esconde
uma desordem subjacente invisível, e assim, só pode ser compreendida por meio
de regras da aleatoriedade” [pag. 217]
“Quando estamos diante de uma ilusão – ou em qualquer
momento que tenhamos uma nova idéia – em vez de provar que nossas idéias estão
erradas, geralmente tentamos provar que estão corretas. (...) além de buscarmos
preferencialmente as evidências que confirmam nossas noções preconcebidas, também
interpretamos indícios ambíguos de modo a favorecer nossas idéias” [pag. 245]
“Costumamos ter um respeito automático por superstars dos
negócios, da política, do cinema e por qualquer outra pessoa que viaje num
jatinho particular, como se suas realizações refletissem qualidades únicas não
compartilhadas pelos que são forçados a comer as refeições servidas pelas
companhias aéreas” [pag 257]
[Caso você esteja curioso, só aparecem trechos do final do
livro não porque eu gostei mais do final e sim porque eu só tive a idéia de
grifar trechos quando já estava terminando de lê-lo. Só para constar, achei o
começo mais interessante]
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