Talvez você não saiba, mas eu sou estudante de matemática.
Se você acompanha este blog regularmente, então é provável que tenha notado
isso. Ou não. Talvez você não saiba (ou saiba, quem sabe), mas a Matemática é
uma ciência muito vasta, com várias áreas e subáreas. É um universo inteiro de
conhecimento e se você realmente deseja seguir carreira como matemático, chega
uma hora que é preciso decidir em qual área seguir.
Mas, resumindo, isso tudo é pra dizer que hoje vou escrever
sobre a área de Matemática que eu pretendo seguir estudando. É um ramo muito
promissor da Álgebra: a Geometria Algébrica. O objetivo desse post é tentar
explicar de forma simples o que é Geometria Algébrica.
Em poucas palavras e de forma imprecisa, podemos dizer que
Geometria Algébrica trata do estudo de objetos algébricos via ferramentas
algébricas. Uma das principais ferramentas é Álgebra Comutativa, mas não é a
única. O doido estudante que quiser seguir neste ramo também deve saber um
pouco (ou muito) de Topologia e Cohomologia.
Os principais objetos de estudos são os chamados conjuntos
algébricos (ou variedades algébricas). Definir estes objetos em poucas linhas é
meio complicado, mas você pode entender um conjunto algébrico como o conjunto
solução de um sistema de equações polinomiais. E na verdade, estes são as
variedades algébricas mais simples possíveis.
Assim:
$$\{(x,y)
\in \mathbb{R}^2 ; x^2 + y^2 – 1 = 0 \}$$
$$
\{\{(x,y) \in \mathbb{R}^2 ; ax + by + c = 0 \}$$
$$\{\{(x,y)
\in \mathbb{R}^2 ; y^2 = x(x-1)(x+1) \}$$
$$\{(x,y, z)
\in \mathbb{R}^3 ; y – x^2 = 0 e z – x^3 = 0 \}$$
São todos exemplos de conjuntos algébricos. O primeiro é um
círculo; o segundo é uma reta; o terceiro é uma cúbica lisa (ou curva
elíptica); e o quarto é a cúbica retorcida. Todos eles, em particular, são curvas
algébricas (isto é, variedades de dimensão 1, mas não leve a sério esta
definição). Existem também as superfícies algébricas (variedades de dimensão 2)
e em geral variedades de dimensão qualquer. Um exemplo (bem besta) de
superfície algébrica é um plano
$$\{(x,y,z)
\in \mathbb{R}^3; ax + by + cz + d = 0 \}$$
Um exemplo mais interessante é a esfera
$$ \{(x,y,z) \in \mathbb{R}^3; x^2 + y^2 + z^2 - 1 = 0 \}$$
$$ \{(x,y,z) \in \mathbb{R}^3; x^2 + y^2 + z^2 - 1 = 0 \}$$
Duas observações são importantes. A primeira é que estamos
considerando soluções com coeficientes e coordenadas em $\mathbb{R}$, o corpo
dos números reais. Porém, seria melhor considerarmos soluções em $\mathbb{C}$,
o corpo dos números complexos. Isso porque $\mathbb{C}$ é um corpo
algebricamente fechado e $\mathbb{R}$ não é. Isso quer dizer que todo polinômio
não constante com coeficientes em $\mathbb{C}$ possui uma raiz. Geometria
Algébrica só funciona bem em corpos algebricamente fechados, que pode ser
$\mathbb{C}$ ou qualquer outro corpos com essa propriedade.
A desvantagem de se trabalhar sobre $\mathbb{C}$ em vez de
$\mathbb{R}$ é que perde-se muito do apelo geométrico. Por exemplo, não é
possível (pelo menos para pessoas comuns e em geral, para a maioria dos
matemáticos também) visualizar $\mathbb{C}^2$, pois isso tem dimensão real 4 e
nós vivemos num mundo de dimensão 3 (ou não, vide teoria das cordas).
A segunda observação é que todos os exemplos acima são de
variedades afins dentro do espaço afim. O espaço afim é simplesmente
$\mathbb{C}^n$ ou $\mathbb{R}^n$. Mas a Geometria Algébrica também estuda
conjuntos algébricos em espaços projetivos $\mathbb{P}^n$.
Não vou definir o que é o espaço projetivo (não agora, mas
talvez noutro post). Mas você precisa saber que $\mathbb{P}^n$ é ele próprio
uma variedade algébrica e contém (num certo sentido) o espaço afim
$\mathbb{C}^n$. Essencialmente, o espaço projetivo é uma “colagem” de espaços
afins.
A geometria em $\mathbb{P}^n$ possui outra diferença da
geometria afim. Por exemplo, em $\mathbb{P}^n$ duas retas paralelas sempre se
intersectam “no infinito” (realizando o sonho dos poetas), coisa que não ocorre
no espaço afim. Uma vantagem do espaço projetivo é que ele é o ambiente em que
vale o Teorema de Bezóut, que diz que duas curvas de graus m e n se intersectam
em exatamente mn pontos, desde que esses pontos sejam “contados de maneira
correta”.
Isso dá mais ou menos uma noção bem vaga do que é Geometria
Algébrica Clássica. Evidentemente, não há só isso, existem muitas outras coisas
entre o espaço afim e o infinito. Em fim, mas daí veio a Geometria Algébrica
Moderna que essencialmente estuda a mesma coisa, só que de outro ponto de
vista. O objeto de estudo continua sendo as variedades algébricas, só que essas
têm um sentido mais amplo. Variedades afins e projetivas da Geometria Clássica
são variedades algébricas no sentido moderno, mas não são todas. Porém as
variedades afins são, digamos, o “modelo” de estudo destas variedades mais
gerais, no sentido que toda variedade algébrica é uma “colagem” de variedades
afins.
Também não vou entrar em detalhes sobre isso agora. Mas você
precisa saber que a linguagem básica para o estudo da Geometria Algébrica
Moderna é a linguagem dos esquemas. Essa teoria de esquemas foi criada pelo
matemático Alexander Grothendieck e na época foi uma revolução neste ramo da
matemática. Hoje Geometria Algébrica é o que é por causa dos trabalhos dele. O
engraçado nisso tudo é que depois disso, Grothendieck largou todo e foi morar
nas montanhas.
Alexander Grothendick: quando você estiver cansado de criar teorias matemáticas altamente abstratas, fuja para as montanhas. Literalmente. |
Se você chegou até aqui, então você merece saber que
Geometria Algébrica é um dos mais importantes e promissores ramos da Matemática
Moderna e tem ligação com outros ramos tais como, Teorias dos Números,
Variáveis Complexas, Topologia e Singularidades. Outro exemplo interessante é o
estudo de curvas elípticas, que tiveram importância fundamental na demonstração
do Último Teorema de Fermat.
Vou ficar por aqui hoje. Depois eu falo mais sobre isso. Até
lá então.
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