CAPÍTULO II – Ainda antes de tudo começar (parte 3)
Carlos demonstrou sua genialidade logo cedo. Seu professor da escola primária era uma cara gente boa, mas extremamente estressado. Estresse é uma mal que assola quase todos os professores, não por que sejam estressados por natureza, mas por que obviamente é um trabalho altamente estressante lidar com um bando de alunos desinteressados e barulhentos. E a turma de Carlos era realmente uma turma que deixaria até mesmo um monge budista com uma leve irritação.
Para piorar as coisas, o salário dos professores primários era muito baixo e o Governo se recusava a dar o aumente de 10% que o Sindicato estava exigindo. A alegação era que não havia dinheiro suficiente nos cofres públicos para atender esse pedido. O curioso é que havia dinheiro suficiente para bancar as caríssimas festas que aconteciam toda sexta à noite nos salões do Palácio Real, sede do governo. O clima de greve geral era eminente.
Assim, numa certa manha, o professor de Carlos estava particularmente estressado com tudo aqui além de estar com a garganta inflamada (outro mal comum entre os que lecionam). Ele precisava arrumar uma maneira de deixar a turma entretida. Teve uma idéia. Pediu que calculassem a soma de todos os números naturais de 1 a 100, assim:
1 + 2 + 3 + 4 + 5 + ... + 98 + 99 + 100
Dada a sua experiência com alunos, o professor estimou que levariam pelo menos meia hora calculando esta soma e, por conseguinte, ele teria meia hora de sossego. Qual foi a sua surpresa quando três minutos depois, Carlos entregou uma folha com o resultado da conta:
5050
A mente do professor parou por alguns instantes. Não pode acreditar, em princípio. Mas estava correto e sabia disso, pois já fizera essa conta antes numa de suas muitas noites de insônia. Não poderia deixar de perguntar:
- Como você fez essa conta em tão pouco tempo?
E então Carlos explicou o seu raciocínio, que foi mais ou menos o seguinte:
Quero calcular 1 + 2 + 3 + ... + 98 + 99 + 100. Chame essa soma de S. Então
S = 1 + 2 + 3 + ... + 98 + 99 + 100
Como até mesmo meu gato sabe que a ordem das parcelas não altera a soma, então:
S = 100 + 99 + 98 + ... + 3 + 2 + 1
E então somando tudo e observando que 1 + 100 = 2 + 99 = 3 + 98 = ... = 101, vemos que:
2S = 101 + 101 + 101 + ... + 101 + 101 + 101
E o lado direito é 101 repetido 100 vezes, logo é 101 vezes 100 que é 1010. Dividindo por 2, temos S = 5050.
Depois dessa parte técnica maçante e que acabou com o clima do livro, voltemos a história.
O professor percebeu a genialidade do pequeno Carlos e viu que o garoto tinha futuro. Também percebeu que ele era um fracasso como professor e resolveu largar tudo para trabalhar com artesanato. Já o pequeno Carlos continuou seus estudos, estudou muita matemática porreta e hoje é mais famoso e respeitado matemático do Norte. Também é conhecido que ele é um excelente dançarino de valsa, mas isso é irrelevante para a história.
Vale ressaltar que Carlos tinha apenas dez anos quanto tudo isso aconteceu.
Leonardo conhecia por cima essa história. Conhecia a fama de Carlos Gauss e algumas vezes sonhava em ser tão gênio quanto ele. Outras vezes sonhava comendo bolo de fubá, um dos seus favoritos.
O professor de Leonardo era do tipo, digamos, sacana e às vezes gostava de desafiar seus alunos com problemas realmente difíceis só para ver a cara de tacho dos alunos que evidentemente não tinham a menor idéia de como proceder. Com exceção de Leonardo, e claro.
Daí um dia só para sacanear mais ainda, o professor pediu para que os alunos calculassem a soma infinita:
1 + ½ + ¼ ...
Desta vez o professor tinha certeza que nem Leonardo resolveria essa e, na verdade, era essa a intenção. Para a sua surpresa, em menos de cinco minutos, Leonardo veio com uma folha de papel e a resposta correta: 2. Também explicou para o professor o seu raciocínio, o qual não será reproduzido aqui, mas obviamente estava correto. À luz do conhecimento atual isso não foi um feito extraordinário,
A partir desse dia, a fama de garoto prodígio se espalhou e Leonardo era conhecido em todas as cidades vizinhas. O garoto era realmente dos bons. Obviamente, seu intelecto superior não pertencia àquele lugar pacato, sem graça e sem sede de conhecimento. Ele precisava de alguém que guiasse sua mente fértil pelos caminhos tortuosos do conhecimento.
Mas ninguém percebeu isso e seu avô decidiu que o neto deveria ser advogado, como se essa decisão coubesse a ele.
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