CAPÍTULO III - Como tudo começou (parte 2)
Já próximo da hora do almoço quase todo mundo da cidade já sabia as chegado do Peregrino. Esse tipo de notícia corre rápido, em parte por que as pessoas daquela cidade passam boa parte do dia falando da vida dos outros. Não por que elas não tenham nada melhor para fazer, mas por que elas pensam que não têm nada melhor para fazer, o que é bem diferente. João, é claro, percebia isso, mas não se preocupava. Achava apenas que isso é perca de tempo. Existiam coisas mais importantes para focar a atenção que a vida dos outros. Afinal, salvo talvez raras exceções, se preocupar com a vida dos outros não vai tornar a sua melhor.
João era meio calado, na dele. Quase não falava com os outros. Havia realmente algo de estranho com ele, mas não era isso. Já estava na hora, porém, de ele começar a interagir mais com os locais. Na hora do almoço ele estava mais falante. Ele matou parte da curiosidade alheia e contou um pouco sobre sua história. Disse que nasceu nas Terras do Norte, mas isso era óbvio. Não especificou, porém, a região. Quando disse que era filho de mãe solteira as pessoas ficaram meio espantadas. Esse tipo de coisa não pegava bem. João sabia disso, mas não estava nem aí.
- Então você não sabe quem é o seu pai? – perguntou a filha da Dona Joana.
- Sei apenas o seu nome e o que ele fazia.
- E o que ele fazia.
- Era mercenário.
Ao ouvir a palavra “mercenário” algumas pessoas na mesa sentiram uma leve sensação de arrepio. Assumiram, então, inconscientemente, que João era uma pessoa que merecia respeito por ser filho de seu pai. Não perguntaram mais nada. Então João aproveitou a deixa e perguntou onde morava o tal menino que sabia matemática. Ficava do outro lado da cidade, mas não que isso fosse muito longe.
A essa altura seu Lílian também já estava sabendo que João, o Peregrino, estava na cidade. Na verdade, isso não era algo de mais. Aquela cidade era rota conhecida de caravanas de comerciantes. Era comum o fluxo de pessoas por lá. Mas estranhamente, só se falava nele naquele dia. E então de repente, não mais que de repente, batem à porta da casa de Lilian. Era o Peregrino.
- Boa tarde, minha boa senhora. Você é Lílian? – perguntou João assim, bruscamente.
- Sim – respondeu Lílian, meio sem convicção – E o senhor quem é?
- Ah, mil perdões. Deveria ter me apresentado antes. Meu nome é João, o Peregrino. Filho das Terras do Norte e andarilho do mundo.
- E o que o senhor deseja?
- Eu gostaria de conhecer o seu filho. E de tomar um café, se for possível.
- Por que?
- Porque eu adoro café.
- Não, digo, por que quer conhecer meu filho?
- Porque acho que ele é um gênio e que o lugar dele não é aqui. Ele precisa enveredar pelos caminhos do conhecimento e ficar aqui, morando nesta cidade a vida toda, não é o caminho.
Por alguns instantes ouviu-se um silêncio. Lilian não dizia nada, mas estava claramente pensando. De repente ela respondeu:
- Como quer o seu café?
João sorriu.
- O melhor que a senhora puder me oferecer.
E então Lílian convidou o estranho para entrar. Ela não tinha certeza, mas sabia que, em seu íntimo, que era isso que deveria fazer.
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