Pensamento da semana

"But we're never gonna survive, unless we get a little crazy"

Seal - Crazy
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domingo, 11 de março de 2012

Capítulo III - parte 1


CAPÍTULO III - Como tudo começou (parte 1)

Era início de noite e caía uma fina chuva sobre a cidade, depois de um dia inteiro de sol, mas isso não é importante. Pela manhã, um doido qualquer caiu do segundo andar da casa da amante e quebrou a clavícula, mas isso também não é importante. Naquele mesmo fatídico dia uma caravana de comerciantes do Norte veio do Norte (claro) trazendo todo tipo de especiarias e produtos caros do Norte que só os mais ricos senhores do Sul tinham dinheiro suficiente para comprar. Isso, porém, também não é importante.
Naquela noite um forasteiro deu entrada na pequena pensão de Dona Joana e isso é importante.
O cara parecia boa pinta, acima de qualquer suspeita, mas definitivamente havia algo de estranho nele, embora ninguém soubesse exatamente o que fosse. Era alto, branco e de olhos verdes descrição que inegavelmente descreve o mais puro filho das Terras do Norte. Tinha o olhar penetrante, mas ao mesmo tempo distante, direi eu que era como se estivesse a todo tempo analisando a trajetória de cada partícula de poeira que se movia ao redor, se isso fosse possível. Outros diriam que ele era autista, ou mesmo louco, mas isso obviamente seria exagero.
Outros ainda diriam que agora ele não parece acima de qualquer suspeita, mas bastariam dois minutos de conversa com o sujeito para perceber ele é apenas uma pessoal normal que parece estranho às vezes, o que na verdade, não deixa de ser algo normal. Estranho seria se alguém nunca parece estranho às vezes, porque tudo mundo parece estranho a algum estranho ou diante de alguma situação estranha.
Mesmo assim, havia algo de ligeiramente estranho nesse cara.
Ele entrou na pensão pela porta da frente, o que é bastante natural. Isso era por volta de seis e meia da noite e havia dois ou três hóspedes na sala, fora Dona Joana que era a dona da casa. O forasteiro estava molhado, a água escorria pelo seu chapéu e caía no seu rosto. Os poucos hóspedes que estavam na sala olharam-no de uma maneira que era como se dissessem “poxa, esse sujeito molhado vai estragar o carpete”. O sujeito olhou-os de uma maneira que era como dissesse “isso não é importante”, deu um sorriso que reforçaria a última frase e dirigiu-se ao balcão.
 - Com licença – disse ele à bela moça que estava em pé no balcão – isso aqui é uma pensão, não é?
É claro que ele sabia que aquilo era uma pensão, pois estava escrito em letras garrafais em uma placa de madeira acima da porta principal “Casa da Mãe Joana – Pensão e Hospedaria”. Ele disse aquilo apenas para iniciar a conversa.
- Sim, claro. – disse a bela moça do balcão – O cavalheiro deseja um quarto?
O sujeito achou que aquilo parecia uma pergunta retórica, mas como ele mesmo perguntou uma besteira similar segundos atrás, deixou por isso mesmo.
- Sim. – respondeu com um tom meio abestalhado, mas na verdade estava apenas pensando no que diria depois – Presumo que a senhorita não seja a Mãe Joana.
- Não, sou filha dela. Você quer que eu a chame?
- É preciso que ela esteja aqui para que eu consiga um quarto?
- Não, eu posso fazer.
- Então não há necessidade de chamar a sua mãe.
Realmente, não havia. Naquele momento, porém, Dona Joana entrava na sala e ela mesma cuidou de atender o forasteiro.
- Qual o seu nome, meu rapaz?
- João, o Peregrino.
- Mas eu preciso do seu nome completo.
- Ponha como eu disse. Todos saberão de quem se trata.
No dia seguinte estava tudo mundo falando do forasteiro. Curiosamente, ele não estava nem aí para os olhares curiosos que o fitavam no café-da-manhã. Também curiosamente, ninguém se atrevia da perguntar nada. João, o Peregrino, percebeu isso e cogitou se falava alguma coisa para iniciar a conversa. Depois não gostou da idéia e tomou um copo de café.
- Muito bom o seu café, Dona Joana – falou, afinal.
Dona Joana agradeceu. Ficou por isso mesmo.
- O que tem de interessante aqui nesta cidade? – perguntou de uma maneira que tentou não parecer desdém. De fato, não era e nem pareceu ser.
Mas também era fato que não havia nada de muito interessante naquela cidade. Era uma cidade como qualquer outra. Tinha uma praça, uma Igreja Matriz, uma Prefeitura, casas, comércio (esta última principalmente). Coisas bem comuns. Por alguns instantes houve um silêncio.
E então de súbito a filha de Dona Joana falou algo que achou que poderia interessante.
- Tem aquele menino que sabe matemática.
Os olhos de João revelaram um interesse súbito.
- Quem? – perguntou ele.
E então lhe contaram sobre o pequeno Leonardo, que naquela época já não era tão pequeno. Tinha então quatorze anos. João ouvia a história com atenção. No final ele tomou o último gole de café e comentou, resoluto:
- Preciso conhecer esse rapaz.
Já tinha o que fazer naquela manha.

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