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domingo, 3 de março de 2013

Resenha: A Solução de Poincaré



Há algum tempo atrás fiquei devendo algumas resenhas aqui para o blog (confira aqui a prova do crime). Não escrevi essas resenhas, não porque não li os livros, mas por pura preguiça mesmo. Além disso, tratava-se de clássicos da literatura, resenha sobre eles é o que não falta por aí. Sei que isso não é uma desculpa convincente, mas é o suficiente para minha própria resignação.
Enfim, estou aqui hoje para escrever a resenha de um livro, o último que li. Esse certamente merece uma resenha minha - não que isso seja grande coisa. O livro chama-se A Solução de Poincaré, do matemático Donal O’Shea. A proposta do livro é contar a história de um dos maiores problemas matemáticos do século passado: a conjectura de Poincaré, que passou quase cem anos sem solução e foi resolvida recentemente pelo matemático russo Grigori Perelman.



A conjectura de Poincaré foi um dos mais desafiadores e importantes problemas do último século. Diversos matemáticos dedicaram grande parte do seu tempo na tentativa de resolvê-la. Muita matemática de qualidade foi criada na esperança de resolvê-la. A conjectura foi escolhida, no início deste século, como sendo um dos Sete Problemas do Milênio e um prêmio de um milhão de dólares foi oferecido ao matemático que a resolvesse. Perelman foi esse cara, mas ele recusou o prêmio.
Se você não gosta de matemática, você poderia se porque um livro sobre matemática (e matemática bem avançada, diga-se de passagem) poderia lhe interessar. O fato é que o livro (assim como qualquer livro de divulgação científica) é escrito justamente para o público mais leigo, não especialista em matemática, mas mesmo assim com algum interesse no assunto. O’Shea escreve de maneira a tornar os mais abstratos conceitos matemáticos em coisas palpáveis, ou pelo menos imagináveis.
Sem falar na história em si. Muito interessante. A conjectura é relativamente recente (foi proposta em 1904), mas as bases teóricas que tornaram possível a sua formulação são tão antigas quanto a humanidade. Desde a matemática babilônica, passando pelo gregos (Pitágoras e Euclides, especialmente) até matemáticos mais modernos como Gauss e Riemann, O’Shea nos brinda com um relato surpreendente e belo desse tópico da história da matemática, enfatizando nomes a fatos históricos e interconectando tudo isso com boa matemática. Melhor impossível.
E porque a Conjectura de Poincaré é tão importante assim? Bem certamente ela é importante dentro da matemática e talvez você até concorde com isso. Mesmo assim você poderia se perguntar qual a utilidade dela fora da matemática. A resposta é simples: a conjectura tem tudo a ver com a possível forma (ou geometria, se preferir) do Universo. Você poderia argumentar que essa não é uma questão muito prática, mas nem todo são flores, ora!
Para aqueles com interesse maior em matemática, existe um apêndice com notas sobre pontos mais técnicos e\ou abstratos do assunto (tem também algumas notas históricas, mas que se importa? Hehehe).
Em resumo: um excelente livro. Uma incrível viagem pelo maravilhoso mundo da matemática - ou, em última análise, pelo intelecto humano – na busca pela resposta de um dos mais belos problemas já proposto.
Veja esse pequeno trecho selecionado:

“Artistas e humanistas apreciam a complexidade e a ambigüidade. Os matemáticos, por sua vez, trabalham com termos obsessivamente definidos e despidos de todo significado externo. A insistência quase neurótica em que todos os termos sejam rigorosamente definidos, e em que toda afirmação seja provada, nos liberta para imaginar e falar do inimaginável. A maioria das pessoas, traumatizadas pelas experiências da matemática na escola, sabe muito bem que a matemática é a mais meticulosa e exigente das disciplinas, mas poucos percebem que essa é a mais libertadora e imaginativa de todas as experiências humanas. Precisão absoluta nos dá a liberdade de sonhar significativamente.”
[pg 68]

Outro trecho selecionado:

“Matemática é trabalho de pessoas. Mas seus conceitos e teoremas não pertencem a ninguém e a nenhum grupo político, étnico ou religioso. Pertence a todos nós. O conhecimento matemático se constrói sobre o trabalho dos que vieram antes. É um trabalho duro, e geralmente não damos a ele o valor que merece. Qualquer um de nós com formação escolar elementar é capaz de resolver problemas aritméticos e algébricos que teriam derrotado os mais eruditos escribas babilônicos. Qualquer um de nós com alguns cursos de cálculo e álgebra linear é capaz de resolver problemas que Pitágoras, Arquimedes e mesmo Newton não teriam ousado tocar. Um estudante de matemática de pós-graduação é capaz de fazer cálculos topológicos que Riemann e Poincaré nem teriam enunciado. Não somos mais inteligentes que todos eles. Pelo contrário, somos seus beneficiários.”
[pg 255]


É isso, pessoal. Fica aí a dica de leitura e até a próxima.

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